Muitas
vezes chegamos a enfrentar mais de três quilômetros
de fila de espera na balsa(ferry boat), o que dava uma média
de quatro horas até colocarmos pés e pneus dentro
da barcaça, e não existia outro meio de transpor
o caminho de volta.
Depois, com a mulher cochilando no banco do carona, era a
vez de enfrentar as agruras da Rodovia Anchieta sempre congestionada,
serpenteando a serra, com o seu cume invariavelmente coberto
de cerração. Normalmente saíamos da rodovia
por volta da uma ou duas da madrugada, e ainda tínhamos
de enfrentar os buracos da Estrada de Diadema, via Interlagos.
Nem
precisava dizer que tantos sacolejos acabavam por acordar
minha consorte, e ficávamos planejando como acordaríamos
naquela manhã para que eu pudesse estar pontualmente
no meu local de trabalho. Os sacrifícios sofridos
na volta, porém, mal permaneciam em nossa memória,
e na semana seguinte lá íamos nós buscar
o refúgio na tão sonhada praia. E sempre tinha
o calvário do retorno à capital.
Até que um belo dia, cansados de tanto sofrer, decidimos
procurar um despachante aduaneiro para que nos ensaiasse
nos meandros das leis de importação, afim
de importarmos um trailer de lei e de boa qualidade. Pedimos
alguns prospectos ao meu cunhado que residia na Europa,
que prontamente nos enviou, e com eles recebemos a primeira
ducha fria no nosso entusiasmo. Um trailer de boa qualidade,
pequeno (que fosse possível ser rebocado por um Fusca
ou similar), sem banheiro, custava na Europa o equivalente
ao preço de um Fusca zero quilômetro.
O
despachante aduaneiro, de posse de máquina de calcular,
lápis e papel, acabou por demolir todas as nossas
ilusões. Somente os custos de importação
seriam da ordem de preço de mais TRÊS Fuscas
novinhos! Claro que fomos obrigados a abandonar tal caminho,
por conta dos nossos esparsos recursos.
Um
dia porém, com duas passagens da aéreas da
Air France na mão, cheguei eufórico em casa,
e disse a minha companheira de tantas aventuras no litoral
paulista: "Vamos tirar umas férias na Europa
!!!" E lá fomos nós!!!
Percorremos a Suíça, a Alemanha, e a Áustria,
fazendo turismo. Como os nossos irmãos europeus,
cozinhávamos fora, degustávamos a natureza,
as montanhas, os lagos cristalinos, as fontes e regatos.
Porém havia uma diferença: os europeus viviam
despreocupados em suas barracas coloridas, ou em seus belos
e reluzentes trailers brancos, e dentro de um desses trailers
nós os víamos, asseados, confortáveis
!!!
Era
uma visão de independência e liberdade total.
Nós dois, porém, saíamos em desabalada
correria quando o relógio apitava as cinco horas
da tarde, afim de procurar alguma vaga em algum hotel ou
hospedaria, e para o nosso desconforto, não raro
levávamos várias horas até localizarmos
algum quarto vago. E mais uma vez nos convencíamos
que a solução ideal, tanto na Europa quanto
no Brasil, eram os reluzentes e lindos trailers, com seu
conforto total.
Antes
de retornarmos, fomos visitar nossos parentes em Bad Mergenheim,
na Alemanha, e qual não foi a nossa surpresa saber
que eles tinham ligações estreitas com o fabricante
dos famosos trailers Knaus, que naquele ano tinham sido
condecorados no Salão Internacional de Essen, Alemanha,
como os mais belos e bem acabados produtos do mercado europeu.
Um chamado telefônico do meu cunhado mobilizou o ‘public-relations’
da fábrica, que nos conseguiu uma visita ao seu parque
fabril, e uma palestra com o seu diretor-presidente.
Mal entramos nessa fábrica (que por sinal era fechada
a sete chaves para os visitantes europeus) vendo surgir
e nascer tantas maravilhas de casas sobre rodas, imediatamente
decidi-me a fazer com os sacrifícios que me custasse
uma fábrica daquela categoria no Brasil. Mas como
poderia resolver a complexidade daquele processo de montagem,
com máquinas de altíssima rotação,
que eu jamais vira antes ???
A resposta me foi óbvia: produzir sob licença,
somente assim poderia conseguir emparelhar-me com o nível
de sofisticação daqueles magníficos
produtos !
Eu compreendera o ditado que vinha escrito na sala de recepções:
“ANOS DE PESQUISA SOB NOSSAS PRANCHETAS E DE PRÁTICA
EM TODAS AS ESTRADAS DO MUNDO POSSIBILITAM QUE BRINDEMOS
NOSSOS CLIENTES UM PRODUTO DE QUALIDADE”.
Coloquei a minha pretensão ao meu cunhado, que por
sua vez a retransmitiu ao diretor-presidente da Knaus, e
esse prometeu estudar o assunto. Ele acabou fazendo um acordo
conosco, e graças a ele conseguimos obter a permissão
para produzir o primeiro trailer feito na América
Latina.
De
volta ao Brasil, lançamos mão à obra,
que foi muito difícil, cheio de imprevistos e sacrifícios.
Foi um início realmente difícil, porém
houve algumas felizes coincidências, pois justamente
naquele ano nascia o “Camping Clube do Brasil”,
sob a inspiração de companheiros arrojados
e de muita visão.
Foi
justamente essa agremiação que lançou
as bases do campismo no nosso querido e continental país, permitindo
que uma indústria como a nossa tivesse quem com ela
pudesse desbravar o campo fértil mas incerto, do processo
da migração interna do nosso povo.
Outro importante fator foi o surto vertiginoso na construção
de novas estradas, permitindo assim um constante aumento
de viagens e conseqüentemente expandindo em muito os
nossos negócios.
Ficamos
muito felizes ao perceber a nossa modesta mas significante
parcela nesse desenvolvimento, tanto que acabamos fazendo
vários passeios pelo Brasil e adjacências,
desde o início, em 1969, do primeiro ‘Rallye’
de trailers, partindo da nosa matriz de Novo Hamburgo, RS
e indo até Bariloche, na Argentina. Posteriormente
percorremos vários quilômetros em várias
regiões, até sermos recebidos em Brasília,
em pleno Palácio da Alvorada, pelo então Presidente
da República em exercício, o General Emílio
Garrastazu Médici, em 1971.
E pensar que essa história começou praticamente
como uma aventura de nossa parte, e que floresceu e ensinou
a praticamente todos os que estão até hoje
nesse ramo!!!”
PEDRO
LUIZ SCHEID